O que é saúde? O que é o corpo? Como relacionar ciência e filosofia na promoção da saúde? Estas são algumas das interrogações e questionamentos que a epidemiologista brasileira Dina Cezeresnia levanta em Categoria Vida, livro que reúne os artigos produzidos por ela em seu pós-doutorado em filosofia.
A seguir copio um pequeno trecho:
“Os problemas relativos ao conhecimento biológico estão vinculados a importantes questões dos modelos de assistência à saúde. Do ponto de vista epistemológico, a grande interrogação é a dualidade que separa corpo e mente, psíquico e somático, e que não corresponde à experiência concreta da saúde e da doença. Do ponto de vista das práticas de saúde, essa dualidade se reflete na persistência de um modelo técnico que também dissocia assistência e realidades sociais, culturais e afetivas. Predomina a perspectiva que favorece intervenções tecnológicas avançadas, mas pobres do ponto de vista afetivo.
Questionam-se a racionalidade e a sustentabilidade desse modelo. O discurso da promoção da saúde problematiza a noção de saúde e propõe, de diferentes maneiras e perspectivas, a inversão das prioridades e investimentos em saúde. Porém, por mais que a lógica orientadora da organização sanitária esteja em xeque, paradoxalmente, a dinâmica de financiamento e estruturação do campo da saúde alimenta cada vez mais uma engrenagem que conduz à geração de novas demandas curativo-preventivas, crescente e incontrolavelmente insustentáveis.
Recursos de outra ordem precisam, com premência, ser investidos para reverte esta tendência. Ao mesmo tempo, o esforço para alcança-los parece ser remar contra uma corrente muito mais poderosa. O modelo científico da biomedicina, apesar das graves contradições que gera, apresenta a força de ser operativo, instrumental, utilitário.
Nesse contexto, é decisivo rever a relação entre ciência e filosofia. A relação com o conhecimento precisaria ser transformada para dar espaço a outras formas de expressão da realidade humana na estruturação das práticas de saúde (Czeresnia, 2003). Para além disso, a própria concepção do que é o corpo poderia ser reconstruída através dessa reflexão. O corpo é descrito por diferentes disciplinas científicas, mas uma delas é hegemônica no campo da saúde: a biologia.”
CEZERESNIA, Dina. Canguilhem e o caráter filosófico das ciências da vida. In ______________, Categoria vida: reflexões para uma nova biologia. São Paulo: Ed. UNESP; Rio de Janeiro: Ed. FIOCRUZ, 2012, p. 65-66