Quem ensina, como se ensina e o que se ensina na universidade?
Em seu “relatório sobre o saber nas sociedades informatizadas”, Jean-François Lyotard considera que o saber tem duas vertentes: a de produção de novos conhecimentos, a investigação científica, e a da transmissão dos conhecimentos estabelecidos, o ensino. Sobre o ensino superior ele afirma especificamente:
“Admitida a idéia de que existem conhecimentos estabelecidos, a questão da sua transmissão subdivide-se pragmaticamente numa série de perguntas: Quem transmite? O quê? Para quem? Com que suporte? De que forma? Com que efeito? Uma política universitária é formada por um conjunto coerente de respostas a estas perguntas.” (Lyotard, Jean-François. A condição pós-moderna. Lisboa, Gradiva, s.d., p. 94)
A partir desta série de perguntas é possível, como fez Lyotard, tecer considerações bastante importantes para a pensar os desafios da universidade na sociedade contemporânea e as modificações necessárias na universidade para que ela possa dar conta do desafio. Vamos repetir as perguntas de Lyotard mantendo o foco no nas práticas do professor na sala de aula presencial no ensino superior brasileiro: Quem transmite? O quê? Para quem? Com que suporte? De que forma? Com que efeito?
Como resposta teremos uma descrição do modelo predominante de ensino na universidade brasileira: a transmissão oral de conteúdos teóricos feita por um professor para algumas dezenas de alunos, com o suporte de quadro-negro e retroprojetor. Ainda que sempre seja necessário fazer a ressalva de que qualquer generalização está sujeita a equívocos, é possível afirmar que as formas orais de transmissão do conhecimento predominam no ensino universitário. Considerando-se o espaço da sala de aula temos três práticas acadêmicas predominantes: a aula expositiva, o seminário e a aula prática. Todas as três utilizam basicamente a oralidade para suas finalidades pedagógicas. Ao fazer uma etnografia das formas de transmissão do saber na universidade em seu livro “Práticas acadêmicas e o ensino universitário” o antropólogo Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto caracteriza assim cada uma estas três práticas acadêmicas:
aulas expositivas: “aulas onde as informações provêm do discurso professoral, sem que os alunos tenham necessariamente um conhecimento prévio sobre elas” (Pinto: 199:55).
seminários: “aula onde é feita uma apresentação de um tema, por um ou alguns alunos, tendo como objetivo a sua posterior discussão por todos” (Pinto, 1999:65)
aulas práticas: “aquelas nas quais a dimensão prática de um saber é ensinada através da sua demonstração por parte do professor, ou de uma execução feita pelo aluno sob a supervisão do mesmo” (Pinto, 1999: 71).
Pode-se perceber por estas definições que todas as três práticas acadêmicas referidas “têm como resultado um reforço da autoridade do discurso professoral como fonte de saber” (Pinto, 1999: 82). Considerando-se a oralidade como o principal meio de transmissão de informações e conhecimento no ensino universitário temos o discurso professoral como a principal técnica pedagógica utilizada na transmissão do saber. Uma decorrência bastante comum disso é a associação do saber oralmente transmitido à figura do professor que o transmite. Outra decorrência é que a oralidade passa a ser a única forma de acesso ao saber professoral. Isso deve-se, especialmente, pela ausência de publicações e pela dificuldade de acesso aos textos escritos.
E com isso chegamos a uma outra característica do ensino universitário atual e que decorre do predomínio quantitativo da aula expositiva nos cursos de graduação e do predomínio da oralidade como forma de transmissão do saber nas aulas expositivas: a ausência de leitura. Ainda que sejam indicados textos para leitura prévia, estes textos são lidos por poucos alunos, dos que leram, muitos têm dificuldade de compreender o texto e, para completar o quadro, o texto, mesmo que sirva de referência para a exposição do professor, não é lido e trabalhado na aula. Como os alunos não sabem ler textos acadêmicos e como esta leitura não é ensinada, acabam por não ler. Como os textos não são trabalhados na sala de aula, o importante passa a ser anotar e/ou gravar a fala do professor, que acaba por ser a única informação que o aluno consegue acessar. Seria necessário aprofundar esta descrição e fazer a crítica deste tipo de ensino superior. Penso que caberia retomar as considerações sobre o ato de estudar feitas pelo Paulo Freire (Freire, 1998), especialmente os aspectos referentes a autonomia, capacidade de reflexão e articulação, para observar as práticas acadêmicas contemporâneas.