Organizando material para algumas palestras sobre escola e educação neste início de ano letivo folheio antigos blocos de notas e encontro este trecho do Mia Couto copiado a lápis e com esta pequena observação na margem: “este sou eu”. Lembrei com clareza do momento em que li este trecho, à noite, numa varanda de casa de aluguel na praia do Rosa, e que na hora pensei que era a melhor definição de mim mesmo que eu já havia visto.
“A família, a escola, os outros, todos elegem em nós uma centelha promissora, um território em que poderemos brilhar. uns nasceram para cantar, outros para dançar, outros nasceram simplesmente para serem outros. Eu nasci para estar calado, minha única vocação é o silêncio. (…) Tenho inclinação para não falar, um talento para apurar silêncios.
(…)
Quando me viam parado e recatado, no meu invisível recanto, eu não estava pasmado. Estava desempenhado, de alma e corpo ocupados: tecia os delicados fios com que se fabrica a quietude. Eu era um afinador de silêncios.”
(Mia Couto, Antes de nascer o mundo)