A antropóloga Isabela Oliveira Kalil, coordenadora do Núcleo de Etnografia Urbana da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) concedeu entrevista ao Sul21, na qual fala sobre alguns dos resultados do trabalho de campo que vem realizando junto a grupos conservadores e sobre o perfil dos eleitores de Bolsonaro.
Para a pesquisadora, a aposta desses eleitores em um projeto punitivista está trazendo uma grave ameaça à democracia no Brasil, na medida em que as pessoas passam a banalizar a violência e a violação de direitos e a sociedade passa a tolerar o que é intolerável numa democracia. Leia o seu alerta:
“Quando os discursos de intolerância vão para o espaço público e vão ganhando espaço isso só tende a crescer. E chega uma hora em que esses discursos que eram inaceitáveis passam a ser aceitáveis. Isso é um caminho sem volta. A sociedade como um todo passa a tolerar coisas que não deveriam ser toleradas em um estado de direito”.
“A democracia não é uma coisa estática, mas algo que a gente constrói todos os dias e exige um esforço de manutenção. O que chama a atenção no caso brasileiro é o apoio dado a esse projeto punitivista de encarcerar as pessoas, de ter medidas mais duras no enfrentamento da violência. Isso é um risco e um problema muito grave. Isso faz com que a gente possa tolerar socialmente autoritarismos e violações de direitos. Essa posição está baseada na ideia de que os direitos são seletivos. Isso foi uma coisa que apareceu muito na nossa pesquisa. Determinados grupos não eram exatamente contra os direitos humanos, mas eram contra a ideia de que os direitos humanos deveriam ser universais. Apenas uma parcela da população seria merecedora desses direitos. Aquela máxima de direitos humanos para humanos direitos sintetiza essa posição.”
“Isso é muito preocupante. O que temos chamado de bolsonarismo é maior do que o Bolsonaro. A sociedade brasileira, à medida que vai tolerando determinadas violações de direitos, vai de certa forma ampliando o espaço para que essas violações aconteçam. Elas são reiteradas e recebem apoio da sociedade. A ideia é que, para resolver os problemas, é preciso ter um Estado que puna as pessoas. Inclusive, alguns desses grupos acreditam que não é preciso sequer haver instituições para fazer isso e as pessoas deveriam poder fazer justiça com as próprias mãos. Acho que essa é uma grande ameaça para a democracia. Não há como ter democracia sem um esforço cotidiano para manter e ampliar o acesso a direitos.”