Um texto de 2015 do blogueiro iraniano Hossein Derakhshan, que passou seis anos preso em Teerã (de 2008 a 2014) e escreve aqui a respeito das transformações que a internet sofreu nesse período, com o aparecimento dos aplicativos e o domínio das redes sociais. Mais uma leitura fundamental para pensar sobre os nossos tempos. Como de costume, publico aqui alguns trechos e deixo o link para quem quiser ler o material completo.
https://medium.youpix.com.br/a-web-que-temos-que-salvar-987bc70ecd9d
A internet rica, diversa e livre que eu amava — e pela qual passei anos em uma prisão iraniana — está morrendo. Por que ninguém está fazendo nada pra impedir isso?
(…)
Seis anos é muito tempo na cadeia, mas corresponde a uma era inteira na internet. Escrever na web, em si, não havia mudado, mas a leitura — ou, ao menos, como ler as coisas — é muito diferente. Já haviam me dito que as redes sociais tinham se tornado essenciais enquanto eu estava preso, então entendi que se eu quisesse atrair as pessoas para o que eu estava escrevendo hoje, tinha que usá-las.
Assim, tentei postar um link de uma das minhas histórias no Facebook. Mas meus amigos do Facebook não deram a mínima. Ficou parecendo um anúncio de classificado sem graça. Nenhuma descrição. Nenhuma imagem. Nada. Consegui três curtidas. Três! E nada mais.
Naquele momento, ficou claro pra mim que as coisas haviam mesmo mudado. Eu não estava preparado para atuar neste novo campo — todos os meus investimentos e esforços haviam sido reduzidos a cinzas. Fiquei arrasado.
(…)
Há seis anos, o hyperlink era a minha moeda. Decorrente da ideia do hypertexto, o hyperlink oferecia uma diversidade e uma descentralização que o mundo real não tinha. O hyperlink representava o espírito aberto, interconectado da World Wide Web — uma visão que começou com seu inventor, Tim Berners-Lee. Era uma maneira de abandonar a centralização — todos os links, linhas e hierarquias — e substituí-la por algo mais distribuído, um sistema de nós e redes.
Os blogs deram forma a esse espírito de descentralização: eles eram janelaspara vidas que você raramente conheceria de perto; pontes que conectavam vidas diferentes umas às outras e, assim, as mudava. Os blogs eram cafés onde as pessoas trocavam ideias diversas sobre todo e qualquer assunto que você pudesse se interessar. Eles eram os táxis de Teerã em grande escala.
Desde que saí da prisão, porém, eu percebi o quanto o hyperlink se desvalorizou, tornando-se quase obsoleto.
(…)
Mas os hyperlinks não são somente o esqueleto da web: eles são seus olhos, um caminho para sua alma. E uma página web cega, sem hyperlinks, não consegue ver ou observar outra página — e isso têm sérias consequências para a dinâmica de poder na web.
De certa forma, todos os teóricos já pensaram sobre a relação entre observação x poder, e em geral em um sentido negativo: o observador desnuda o observado e o transforma em um objeto sem poder, desprovido de inteligência ou ação. Mas no mundo das páginas web, a observação funciona de maneira diferente: ela dá mais poder. Quando um website poderoso — digamos o Google ou o Facebook — observa, ou linca outro site, eles não apenas se conectam — isso faz com que eles EXISTAM; dá vida a eles. Metaforicamente, sem esta observação poderosa, sua página web não respira. Não importa quantos links você coloque em um site, a menos que alguém esteja observando, eles estão mortos e cegos; e, consequentemente, incapazes de transferir poder para qualquer página externa.
Por outro lado, as páginas mais poderosas são aquelas que são muito observadas. Assim como celebridades que atraem um certo tipo de poder através dos milhões de olhares humanos que as observam em determinado momento, as páginas conseguem captar e distribuir seu poder através dos hyperlinks.
Mas apps como o Instagram são cegos — ou quase cegos. A observação destes apps não chega a lugar algum exceto a eles mesmos, relutantes em transferir parte do seu vasto poder a outros, conduzindo-os a uma morte silenciosa. A consequência é que as páginas fora das mídias sociais estão morrendo.
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Mas os hyperlinks não são somente o esqueleto da web: eles são seus olhos, um caminho para sua alma. E uma página web cega, sem hyperlinks, não consegue ver ou observar outra página — e isso têm sérias consequências para a dinâmica de poder na web.
De certa forma, todos os teóricos já pensaram sobre a relação entre observação x poder, e em geral em um sentido negativo: o observador desnuda o observado e o transforma em um objeto sem poder, desprovido de inteligência ou ação. Mas no mundo das páginas web, a observação funciona de maneira diferente: ela dá mais poder. Quando um website poderoso — digamos o Google ou o Facebook — observa, ou linca outro site, eles não apenas se conectam — isso faz com que eles EXISTAM; dá vida a eles. Metaforicamente, sem esta observação poderosa, sua página web não respira. Não importa quantos links você coloque em um site, a menos que alguém esteja observando, eles estão mortos e cegos; e, consequentemente, incapazes de transferir poder para qualquer página externa.
Por outro lado, as páginas mais poderosas são aquelas que são muito observadas. Assim como celebridades que atraem um certo tipo de poder através dos milhões de olhares humanos que as observam em determinado momento, as páginas conseguem captar e distribuir seu poder através dos hyperlinks.
Mas apps como o Instagram são cegos — ou quase cegos. A observação destes apps não chega a lugar algum exceto a eles mesmos, relutantes em transferir parte do seu vasto poder a outros, conduzindo-os a uma morte silenciosa. A consequência é que as páginas fora das mídias sociais estão morrendo.
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Mas o resultado mais assustador dessa centralização da informação na Era das Redes Sociais é que isso está diminuindo nosso poder frente ao governo e às corporações.
A vigilância é cada vez mais imposta à sociedade civilizada, e isso só tender a piorar. A única maneira de ficar fora deste vasto aparato de vigilância seria entrar em uma caverna e dormir, mesmo que você não possa fazê-lo por 300 anos.
Eventualmente, todos teremos que nos acostumar a sermos observados — e, infelizmente, isso não tem nada a ver com o país onde nós moramos. Ironicamente, os estados que cooperam com o Facebook e o Twitter sabem muito mais sobre seus cidadãos do que aqueles países, como o Irã, onde o estado estrangula a Internet mas não têm acesso legal às empresas de mídias sociais.
É muito mais assustador ser controlado do que meramente observado. Quando o Facebook nos conhece melhor do que nossos pais com somente 150 curtidas, e melhor do que nossos companheiros com 300 curtidas, o mundo fica muito previsível, tanto para os governos quanto para as empresas. E previsibilidade significa controle.
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Um comentário em “A Web que temos que salvar (Hossein Derakhshan)”